segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Até fins do século XIX, a arquitetura baseou-se no historicismo, fortemente influenciada pelas antigas tradições clássicas. Insistindo em remodelar as velhas fórmulas, arquitetos produziam uma arquitetura desprovida de qualquer originalidade, repetindo formas e conceitos extremamente presos à cultura artística tradicional que vigorava até então.
Por volta de 1890, no entanto, com o grande avanço da industrialização e conseqüente descoberta de novos materiais e métodos de construção, inicia-se, de forma geral, uma insatisfação com essa atmosfera eclética que tornava a arquitetura sujeita aos estilos históricos e aos preconceitos do passado. Artistas de todo o mundo ansiavam por uma arquitetura renovada, que acompanhasse os progressos da ciência de seu tempo, deixando para trás as velhas regras artísticas e resolvendo a recém-descoberta problemática da linguagem arquitetônica até então utilizada.
Dentro deste contexto de novas descobertas e superação das antigas tradições, não somente a arquitetura, mas a cultura artística em geral é reavaliada no sentido de ampliar o campo tradicional das artes, baseando-se na moderna concepção do mundo que estava cada vez mais evidente. Nasce então, como conseqüência dessa crise, uma nova forma de criar, descendente de jovens artistas que colocam em prática um novo estilo original com idéias, formas e experiências audaciosas e cada vez mais distantes do velho repertório das escolas.

A Art Nouveau, como foram chamados esses novos estilos, nasce então como o conjunto de vanguardas descendentes desse anseio pela novidade artística e conceitual, alcançada nas mais diversas áreas da arte e em diferentes lugares do mundo. Tanto na pintura, na arquitetura, no design ou em qualquer outra forma de produção da arte, o novo estilo é caracterizado por esse espírito de inovação, encarando a cultura artística em seu conjunto, e não mais em partes separadas (arte total).
Com certa ausência de excessos e maior exposição da razão dos materiais utilizados, o Art Nouveau foi inspirado no movimento inglês Arts and Crafts (artes e ofícios) – que já havia então restabelecido o valor do artesanato e do trabalho artístico – mas dispunha de novas formas e desenhos diferenciados que se inseriam dentro de uma produção industrial.
Na tentativa de transformar as artes industriais decorativas, o Art Nouveau traz também o ornamento sob uma visão diferente da que existia até então, de forma que o ornamento não só completa a estrutura, mas faz parte do objeto ao invés de estar somado a ele. Além do abandono dos estilos históricos, a tentativa de inserção da arte na vida cotidiana e a organização estrutural de acordo com a função são outras características comuns do movimento, que alguns autores chegam a considerar um dos primeiros passos rumo à arte moderna.
Em contraponto à duração relativamente curta dessa nova arte – apenas 15 anos – muitos de seus preceitos se incorporaram aos movimentos de vanguarda seguintes. Em meio a essa renovação das artes aplicadas disseminada por todo o mundo, se destacaram artistas como Victor Horta, Henry van de Velde, Viollet le Duc, Otto Wagner, Adolf Loos, etc – muitas vezes dando continuidade à linha de pensamento do inglês Morris (arts and crafts) ou às experiências francesas de Perret e Garnier.

:: Introdução

Todos os historiadores estão de acordo em constatar que o movimento europeu para a renovação das artes aplicadas nasce na Bélgica antes do que em qualquer outra parte, entre 1892 e 1894, e nasce ex abrupto, com a Casa Tassel de Horta em Bruxelas e a decoração de Van de Velde para sua casa em Uccle... Essas obras parecem não ter nenhum precedente, e os elementos do novo estilo, que será chamado de art nouveau, já surgem perfeita e coerentemente elaborados” (Historia da Arquitetura Moderna, LEONARDO BENEVOLO, pg 273)

Precursores do art nouveau na Bélgica, os jovens artistas Victor Horta e Henry van de Velde e suas experimentações são de suma importância para a compreensão do movimento e suas principais características. Suas contribuições, a serem evidenciadas neste trabalho, deram início a uma nova linguagem que fora disseminada mundo afora – embora alguns autores acreditem que o movimento tenha surgido espontânea e simultaneamente nos vários lugares do mundo, de forma independente.
Como já foi ressaltado, o art nouveau possui o caráter de cultura de vanguarda e, portanto, muitas vezes não segue uma linha única de pensamento e/ou produção, podendo ser avaliado de forma distinta em cada local que se desenvolve. Além disso, o movimento atrai a personalidade do artista para as questões artísticas de modo muito mais sério do que no passado, o que contribui para as diferenças teóricas e práticas entre eles. Por fim, a confusão de tendências e fontes indiretas que podem ter influenciado o art nouveau completa a lista de fatores que justificam esse relativo distanciamento entre o estilo de um artista e outro, embora muitas características se enquadrem na descrição do estilo como um todo.
Nessas condições, até mesmo experiências realizadas na mesma região – como é o caso dos artistas belgas Horta e Van de Velde – podem possuir características distintas, o que muitas vezes impede que suas obras sejam analisadas de forma conjunta. Analisar essas diferenças é o principal objetivo desse trabalho, levando em consideração as influências externas, o pensamento teórico e as experiências práticas dos dois artistas.

:: Victor Horta

Victor Horta (1861-1947) nasceu em Gand, Bélgica, onde iniciou seus estudos na Academia de Gand, terminando-os na Academia de Bruxelas em 1881. Logo depois, trabalhou no estúdio de Alphonse Balat, quando construiu suas primeiras obras.
Após passar um período (de 1885 a 1892) apenas escrevendo, o artista construiu, em 1892, uma das obras mais importantes para a difusão do art nouveau: a casa Tassel na Rua Turin, em Bruxelas. A casa marca o surgimento da art nouveau no campo da arquitetura, realizando plenamente os ideais do movimento pela primeira vez em termos arquitetônicos.


Quebrando o esquema dos três cômodos interligados, característica comum das casas de Bruxelas, Horta introduz luz e fluidez por toda parte assim como uma decoração onipresente dominada até nos mais ínfimos detalhes. Durante dez anos, graças à ajuda de um pequeno grupo de amigos, entre os quais o industrial Ernest Solvay, ele construiu uma série de hotéis particulares que foram considerados verdadeiras obras de arte.
Depois dessa casa, horta construiu em bruxelas numerosas outras residências, escritórios e lojas, entre elas a Maison du Peuple (1897), que ilustra a ousadia e originalidade do artista para a época em sua fachada curva de ferro e vidro.
Em 1913, foi nomeado presidente da Academia de Bruxelas, tornando-se mais tarde barão Horta.

:: Henry van de Velde

Henry Clemens van de Velde nasceu em Antuérpia, Bélgica, em 1863. Iniciou sua atividade criadora como pintor, sob a influência das tendências neo-impressionistas. Por volta de 1890, em sintonia com as idéias do inglês William Morris, passou a dedicar-se ao desenho industrial, com a intenção de aplicar ao dia-a-dia suas concepções estéticas.
Preconizou suas artes aplicadas primeiro em sua terra natal, a Bélgica. Em 1896, realizou em Paris uma exposição de móveis que, com suas linhas onduladas e seus motivos orgânicos, foram fundamentais para difundir o art nouveau na França. No ano seguinte, com uma exposição em Dresden, chegou à Alemanha.
No arranjo que propõe para sua casa em Uccle, em 1897, Van de Velde firma-se pela primeira vez na decoração, ao mesmo tempo que começa sua atividade como teórico e propagandista.
A partir de 1902, torna-se conselheiro do Duque de Weimar – fundando a Escola de Artes e Ofícios de Weimar 4 anos depois – e é chamado para dirigir o Weimar Kunstgewerblicher Institut, que tornaria-se a Bauhaus de Gropius no pós-guerra.
Foi também um dos fundadores do Deutsche Werkbund ("Associação Alemã de Ofícios"), além de ter fundado também em Bruxelas, em 1927, o Institut Supérieur des Arts Décoratifs de la Cambre (no qual se formaram os mais importantes arquitetos belgas), antes de mudar-se para a Suíça, em 1947.


Entre as obras de Van de Velde, contam-se a decoração interior do Museu Folkwang em Hagen (Alemanha, 1900-1902), a casa Hohenhof na mesma cidade (1909), o teatro para a Exposição da Werkbund de Colônia (1914) e o Museu Kröller-Müller em Otterloo, Holanda (1921). Desenhou igualmente ilustrações para livros e encadernações, assim como móveis, candeeiros, objetos de prata, estampados e cartazes, redigindo diversos ensaios sobre teoria da arte, entre eles "Do Novo Estilo" (1907).

:: O Art Nouveau de Victor Horta e Henry van de Velde

Ao estudar as contribuições de outras obras, artistas ou movimentos para o desenvolvimento criativo de Victor Horta e Henry Van de Velde, podemos perceber certa incompatibilidade quanto ao pensamento dos autores. Benévolo – em seu livro História da Arquitetura Moderna – cita as teses de Runskin e Morris como principal influência para as obras de Van de Velde, afirmando que “a influência da Inglaterra é reconhecida homogeneamente pelos teóricos da art nouveau” (pg 274) e diz ainda que Horta reconhecia a importância do contato com os pintores ingleses mas, todavia, não pretendia imitá-los, e sim “criar para si uma linguagem igualmente pessoal e livre de imitações” (pg 274).
Já Pevsner, em Os Pioneiros do Desenho Moderno, afirma que Horta sempre negou qualquer influência da Inglaterra, por mais que suas obras passassem impressão contrária. Sobre a importância da influência inglesa em Van de Velde, Pevsner concorda com Benevolo, dizendo que o artista “declarou ao autor ter visto as primeiras obras da maturidade de Toorop com o mais vivo prazer”(pg. 89).
Em contrapartida, Giedion deixa claro em seu livro Tempo, Espaço e Arquitetura não acreditar que as influências inglesas sejam de tão grande importância para o pensamento de ambos os artistas. De acordo com o autor, o paralelo entre Morris e Van de Velde “emana do fato de que a desordem introduzida na vida humana pela indústria se fez sentir na Inglaterra mais do que trinta anos antes do que no continente” (pg. 322), fazendo com que os dois artistas, influenciados pelas mesmas condições, tivessem as mesmas reações artísticas. Giedion aponta ainda Balat, um arquiteto belga, como sendo uma das figuras mais importantes para a orientação de Victor Horta.

Embora as influências externas possam ter contribuido para diferenciar o estilo de Horta e Van de Velde, existe uma outra discussão, um pouco mais ideológica, que os difere. As questões teóricas nas quais estavam envolvidos e os motivos que os impeliam são talvez as mais relevantes diferenças entre os artistas que, apesar de estarem inseridos no mesmo contexto de procura por um renascimento das artes, possuíam idéias distintas em relação à forma pela qual tal renascimento seria alcançado.
Enquanto Victor Horta pensou que problemática da arquitetura poderia ser resolvido de forma simples com a produção de um único estilo que fizesse um acordo imediato com o público e com o ambiente urbano de seu tempo, Henry Van de Velde procurou estabelecer novos fundamentos que permitiriam desenvolvimentos sucessivos de forma a propor uma renovação geral.
A falta de preocupação de Horta com as questões teóricas mostra a posição de limitação do artista, especialmente quando comparado ao pensamento de Van de Velde, que procurava não apenas a novidade – que é, por natureza, efêmera – mas conter os obstáculos do historicismo em uma estética baseada na razão e imune ao capricho.
Por isso, embora seja considerado um dos artistas mais refinados do movimento Art Nouveau, Victor Horta é caracterizado por Benevolo como "o mais parecido a um arquiteto do passado", devido ao seu pensamento antiquado e relação a essas questões. Já Henry Van de Velde, pelo contrário, é avaliado como um mestre da Art Nouveau não somente pelas suas obras, mas também devido à sua capacidade de animador e as energias que soube suscitar nos outros.
O fato de Horta ter recaído em um neoclassicismo ao perder contato com as novas tendências no pós-guerra evidencia seu compromisso com apenas uma fase, enquanto Van de Velde seguiu apoiando as gerações posteriores e aderindo a desenvolvimento sucessivos, até mesmo o movimento moderno.

Além das diferenças já evidenciadas, as obras de Horta e Van de Velde possuem também características formais distintas que identificam o estilo de ambos os artistas. Comparando a casa Tassel de Victor Horta (1892) e a casa de Henry Van de Velde em Uccle (1897), podemos dizer que enquanto a primeira se encaixava no padrão de uma casa tradicional de Bruxelas, a segunda fazia um forte contraste com as fachadas tradicionais devido à sua extrema simplicidade, apontando para o futuro de forma mais incisiva.
De fato, as obras de Horta procuravam convencer o observador pela sua coerência, e não estranhesa. Ele analisa a fundo a textura de seus edifícios, e é rigoroso em relação aos materiais, às soluções e aos detalhes para que cada elemento se ajuste perfeitamente ao outro. Por isso, as linhas de Victor Horta possuem uma graça luxuosa que não é encontrada na energia tensa das curvas mais simples e rigorosas da casa de Van de Velde em Uccle.
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:: Bibliografia

PEVSNER, Nicholaus. In: Origens da Arquitetura Moderna e do Design. São Paulo: Martins Fontes, 1981.

BENEVOLO, Leonardo. In: História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Perspectiva, 2001.

GIEDION. In: Espaço, Tempo e Arquitetura - O Desenvolvimento de uma Nova Tradição. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

FRAMPTON, Kenneth. In: História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PEVSNER, Nicholaus. In: Os Pioneiros do Desenho Moderno. Rio de Janeiro: Ulisseia, 1980.